segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Gil Scott-Heron



 É engraçada a forma como certas pessoas surgem na nossa vida.

Com o tempo apercebemo-nos daquelas que ficam, que fazem questão de nos acompanhar, e daquelas que partem, que já cumpriram o seu papel.

Acredito seriamente que estamos todos ligados e que não surgimos na vida uns dos outros por acaso. Por vezes é circunstancial, crucial até, consoante os momentos e as fases da vida que estamos a atravessar. Enfim, pode parecer um pouco transcendente, mas penso que determinadas pessoas permanecem na nossa vida o tempo que tiver que ser, nem mais nem menos. O tempo que tivermos a aprender com elas e elas connosco. Funciona como uma troca, na qual damos e recebemos. Uma troca que faz-nos crescer, evoluir, amadurecer.
Seja qual for a razão, acredito que todas e cada uma das pessoas com as quais nos cruzamos ao longo do nosso caminho têm um papel, um sentido, um significado.




Este ano surgiu uma pessoa na minha vida graças à música - um amor em comum. 
E neste Natal essa pessoa reacendeu o espírito natalício que estava apagado em mim, com um gesto simples de generosidade e amizade.
A forma que eu tenho de lhe agradecer e retribuir, é esta. 

Vês, eu bem te disse que cada post tinha a sua hora de ser e acontecer… ;)




Nome incontornável da música soul, hoje trago-vos um cantor, um músico e um poeta – Gil Scott-Heron.

Já conheci a música de Gil Scott-Heron tarde. 

Sabia da sua existência, de ser conhecido por ser o grande poeta negro da música Americana, do seu mítico poema "The Revolution Will Not Be Televised", mas nunca tinha dedicado muito tempo a conhecer a sua música e a perceber a versatilidade que alcança este cantor, bem como o sentimento, a garra e a revolta que põe nas suas canções.

Quando Gil Scott-Heron actuou pela primeira e única vez em Portugal, em Maio de 2010, eu ainda não tinha consciência disso. Um ano após esse concerto, Heron viria a falecer aos seus 62 anos. Só então, como infelizmente muitas vezes acontece sempre que morre um artista, viria a conhecer verdadeiramente a sua obra. 

Heron é um poeta do povo, um activista. 
Como compositor e cantor não tem medo de falar abertamente sobre aquilo que lhe aflige, que aflige o seu país. Heron expõe, critica, questiona.
Como músico, tanto podemos ouvi-lo a cantar os seus versos sob forma do rap (diz-se inclusive que Heron foi um dos progenitores do hip hop), bem como embalar-nos ao som do jazz ou deixar-nos melancólicos ouvindo o seu blues…  


Este poeta nasceu em Chicago (EUA), mas cedo mudou-se para o bairro de Bronx (Nova York), onde iniciou os seus estudos. Desde a adolescência que Heron escrevia poesia. mas foi durante os anos de faculdade que o mesmo dedicou-se a escrever a sua primeira novela – “The Vulture”, publicada em 1970.

Nesse mesmo ano, Heron conhece o lendário produtor de jazz, Bob Thiele, e, encorajado pelo mesmo, lança o seu primeiro álbum – “Small Talk at 125th and Lenox”, inspirado no seu volume de poemas com o mesmo nome. 

Este disco tem como tema principal a dura crítica à superficialidade dos meios de comunicação (em especial a televisão), ao consumismo em massa e à consequente ignorância dos cidadãos brancos Americanos.  
Além da conhecida “The Revolution Will Not Be Televised”, o álbum conta com outro poema controverso como é este “Whitey on the Moon”.



A rat done bit my sister Nell.
(with Whitey on the moon)
Her face and arms began to swell.
(and Whitey's on the moon)
I can't pay no doctor bill.
(but Whitey's on the moon)
Ten years from now I'll be payin' still.
(while Whitey's on the moon)

Em 1971 é lançado “Pieces of a Man”, o seu segundo trabalho e, para mim, o seu melhor álbum. O mesmo conta com uma estrutura de canções mais convencional, com uma menor predominância da palavra-falada, bastante influente no seu anterior trabalho. 

O tema-título do disco é, simplesmente, sensacional… 
De uma sensibilidade tremenda, nesta canção um menino descreve-nos a forma em como assiste à tristeza e desolação que caiu sobre o seu pai, após perder o emprego. Uma música que retrata as dificuldades que se faziam sentir naquela época. Um música que eu adoro pela capacidade que tem de ser tão dura e tão doce ao mesmo tempo.



I saw my daddy greet the mailman
And I heard the mailman say
"Now don't you take this letter to heart now Jimmy
Cause they've laid off nine others today"
He didn't know what he was saying
He could hardly understand
That he was only talking to
Pieces of a man
I saw the thunder and heard the lightning
And felt the burden of his shame
And for some unknown reason
He never turned my way

Com melodias igualmente calmas e incitando valores como a paz, a liberdade e o amor, encontramos os temas “Save the Children” e "I Think I'll Call It Morning".






A destacar também deste álbum os temas: "Lady Day and John Coltrane" – uma dedicatória aos músicos de jazz que mais o influenciaram (John Coltrane e Billie Holiday), e "Home Is Where the Hatred Is" - outro tema difícil, em que o narrador vive num ghetto no qual a alegria e a esperança não têm lugar.





  
Em 1974 Heron lança outro álbum extremamente aclamado pela crítica – “Winter in America”. Tal como em “Pieces of a Man”, conta com a colaboração do seu amigo músico, compositor e produtor, Brian Jackson.
Neste trabalho Heron recorre às raízes da cultura Afro-Americana, dando-lhe uma sonoridade mais Afro e R&B, evidenciando, contudo, um toque de jazz e blues conferidos por Brian através dos seus apontamentos de piano e flauta nas suas músicas. Tal é visível no seu, talvez, maior êxito de sempre – “The Bottle”.



               
O nome do álbum é representativo do que Heron quer transmitir – um inverno frio e cinzento que se abateu sobre o país Americano. É referida novamente a desilusão social e a decadência das condições humanas, particularmente em ambientes urbanos como os ghettos. Temas como pobreza, alcoolismo ou escândalos políticos são também abordados. 




Além deste jazzy "Peace Go with You, Brother", também encontramos no álbum outro tema com um swing maravilhoso - “Rivers of My Fathers” – uma viagem às raízes, no qual o narrador pede ao “rio” que lhe leve para casa. Casa esta, entenda-se por África - Looking for a way out of this confusion/I'm looking for a sign, carry me home/Let me lay down by a stream and let me be miles from everything/Rivers of my fathers, could you carry me home…




E, sem o rio mas com groove, chegamos a “Back Home” - uma música mais positiva, onde valores como a família e o amor são enfatizados. Destaco também as baladas "Song for Bobby Smith" e "Your Daddy Loves You”, esta última dedicada à sua filha. A flauta de Brian Jackson enfeita igualmente estas músicas.



Gil Scott-Heron lançou mais álbuns ao longo dos anos 70, quatro na década de 80 e um na década de 90 (em 1994). Por fim, regressa passados dezasseis anos, lançando em 2010 o seu último álbum “I'm New Here”. Um álbum bem recebido pela crítica e uma felicidade para muitos pelo seu regresso para, ironicamente, um ano depois nos deixar. Fica o single retirado com o mesmo nome.




Gosto destes dois lados de Gil Scott-Heron… o lado negro, sombrio, onde há revolta, indignação, onde são cantados os problemas sob forma de alerta, de mensagem. E depois, o lado doce, pacífico, calmo, livre… onde reside a esperança por um amanhã melhor, onde reside o amor pela vida, pelas pessoas. Esse amor precisamente pelo qual vale a pena lutar. 

Gosto ainda mais quando estes dois lados se tocam, e quando ouvimos poemas através de melodias bonitas.

Tenho pena de não o ter conhecido mais cedo, de não ter ido ao seu concerto. Acho que teria adorado sentir as suas palavras, ouvir a voz que clamou tanto por um povo… Teria adorado, igualmente, deliciar-me com o som característico do seu piano e da flauta nas suas músicas… Enfim, fica o consolo de saber que a sua música é imortal e poderei recorrer a ela e a ele, sempre que quiser.






Bem, e visto que este será o último post do ano, parece-me que deveria dizer qualquer coisa acerca do assunto… A verdade é que nunca liguei muito a celebrações de fim de ano. Basicamente considero um dia como outro qualquer. No entanto, não deixa de representar o fechar do mais um ciclo e o começo de outro. E no final de cada ciclo é inevitável não fazermos um balanço, uma reflexão do que passou, das nossas acções, do que vivemos, do que conquistámos, do que perdemos. Da mesma forma, torna-se também inevitável não pensarmos no futuro, fazermos planos para o novo ano, objectivos que queremos ver realizados. 

Cada ano traz-nos coisas boas e outras menos boas. Há anos que nos marcam, anos de mudança, outros passam despercebidos, serenos, sem grandes oscilações. Seja qual for o tipo de ano, gosto de olhar para trás e recordar os bons momentos que vivi, interiorizar as lições que aprendi. Gosto mais ainda de olhar em frente, ver o caminho que ainda tenho por percorrer e a bagagem que levo comigo para fazê-lo. Uma bagagem um bocadinho mais cheia a cada ano que passa.

Este ano foi um ano de algumas mudanças para mim. Mudanças boas, que me fizeram avançar, evoluir. Mas já que começámos por falar de relações humanas, fico feliz por saber que, além dessas mudanças, também trago na minha bagagem mais pessoas que passaram a fazer parte da minha vida. Novas amizades que me fazem sentir bem. Isso sim, mais do que tudo, deixa-me feliz. Isso sim quero levar em abundância na minha bagagem quando um dia me for. Até lá, que venham muitos e bons anos pela frente!

Bom 2013 para todos.

Sejam felizes!

5 comentários:

  1. http://www.youtube.com/watch?v=NN-KfYhuN5M

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    1. Obrigada Titi!! :)
      Não conhecia! Ainda só vi os primeiros minutos e fiquei super curiosa! Vou vê-lo assim que puder!!

      Bjs*

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  2. Belo post, Lucélia.
    Vc escreve bem e pelas suas palavras(sensibilidade)e também pelo ótimo gosto musical demonstra ser uma pessoa de bem.

    Beijo e ótimo 2013 pra vc!
    Falo de Recife/Brasil

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    1. Obrigada Zé Henrique! Muito querido da sua parte!
      Fico feliz por saber que as minhas palavras cheguem ao outro lado do mundo! :)

      Um beijinho e um excelente 2013 para você também!

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  3. Again more of testament to he immensity of his legacy than actual disagreement of your choices, I like most
    It's Your World and "Back Home" also Esther Phillip's version of "Home is where the hatred is" is good because sometimes a good cover brings out a different aspect of a composition.

    I'm so grateful to have been at his concert in Lisbon, his body already ravaged, his mind and soul sharp and while not exuberant obviously enjoying giving the concert

    Kris

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