Existem histórias de vida impressionantes.
Por vezes, acontecimentos inesperados alteram por completo a
nossa trajectória, abalam a nossa estrutura e nos fazem repensar em todos os
nossos padrões, valores e objectivos. Em tudo o que vivemos até o presente e nos
passos que iremos percorrer no futuro.
Apercebemo-nos da capacidade fantástica que o ser humano tem
de readaptar-se às circunstâncias em que se encontra e aprendemos a realizar um
exercício muito simples e muito importante, que nos é precioso e que,
habitualmente, denominamos por “relativizar as coisas”.
Acima de tudo,
ganhamos a certeza de que nada do que nos rodeia é garantido, como tal, o
melhor mesmo é viver a vida com paixão a cada momento, saboreá-la nos mais
ínfimos detalhes, apreciá-la nas coisas simples e, essencialmente, passá-la junto
daqueles que nos fazem felizes e ter vontade de retribuir.
E o que tem esta filosofia toda a ver com música?? (perguntam
vocês)
Tem tudo. A partir do momento em que a música pode mudar a vida de uma pessoa e ajudá-la a começar de novo.
Tem tudo. A partir do momento em que a música pode mudar a vida de uma pessoa e ajudá-la a começar de novo.
Apeteceu-me escrever sobre um exemplo de força, de superação
na vida… e apeteceu-me fazê-lo ouvindo uma música suave e envolvente, que me
aqueça numa noite como esta. Daí pensei –
Melody Gardot.
Foi com esta música que Melody Gardot me foi apresentada.
Adorei a suavidade da sua voz, da melodia, da letra… tudo!
Diria, aliás, que “suave” é o adjectivo que melhor define a música de Gardot.
Gosto de ouvir os seus álbuns quando quero sentir-me... aconchegada. A sua
sonoridade é tão acolhedora que transmite-me paz e calor.
Sempre que descubro um novo cantor ou grupo do qual gosto,
tenho por hábito fazer uma pequena pesquisa acerca da sua carreira e do seu
percurso de vida. É algo que, de certa forma, ajuda-me a perceber a sua música
e a contextualizá-la também. Por vezes, pode alterar até, a minha forma de sentir e
escutar a música.
Com Melody Gardot essa pesquisa sensibilizou-me e percebi perfeitamente
a razão de ser de algumas das suas músicas, como esta:
I need a hand with my
worrisome heart
I need a hand with my worrisome heart
I would be lucky to find me a man
Who could love me the way that I am
With this here worrisome heart
I need a break from my troubling ways
I need a break from my troubling ways
I would be lucky to find me a man
Who could love me the way that I am
With all my troubling ways
I need a man who got no baggage to claim
I need a man who got no baggage to claim
I would be lucky to find me a man
Who could love me the way that I am
A worrisome troubling baggage free modern day dame,
a worrisome troubling baggage free modern day dame
Ain't no body the same
I need a hand with my worrisome heart
I would be lucky to find me a man
Who could love me the way that I am
With this here worrisome heart
I need a break from my troubling ways
I need a break from my troubling ways
I would be lucky to find me a man
Who could love me the way that I am
With all my troubling ways
I need a man who got no baggage to claim
I need a man who got no baggage to claim
I would be lucky to find me a man
Who could love me the way that I am
A worrisome troubling baggage free modern day dame,
a worrisome troubling baggage free modern day dame
Ain't no body the same
"Worrisome Heart" é a primeira música do seu primeiro álbum de igual nome, lançado em 2008. Além da melodia sedutora e envolvente, gosto do toque de blues desta música, do seu início com o piano e da forma como a sua voz e os restantes instrumentos vão surgindo suavemente na música.
E a letra… a letra diz-nos muito acerca da mulher que a
escreveu.
Melody é americana e tem 27 anos. Ao contrário da maioria
dos cantores, não começou cedo no mundo da música, pois os seus objectivos de
vida não passavam por aí. Mas a vida é de facto curiosa e troca-nos as voltas…
Aos 19 anos, enquanto passeava de bicicleta, Melody foi
atropelada por um carro que ignorou um sinal vermelho. Esse acidente causou-lhe
lesões graves na coluna, confinando-a a uma cama de hospital durante 1 ano, e
também no seu cérebro, tornando-a hipersensível ao som e à luz (daí a mesma
utilizar permanentemente óculos escuros por forma a proteger os seus olhos e
daí a suavidade da sua música, uma vez que não é tolerante a sons fortes e
estridentes).
Além desta lesão
cerebral, também a sua memória de curta e longa duração foi afectada, fazendo
com que Melody tivesse dificuldades relativamente ao seu sentido do tempo. Os
caminhos neurais que ligam a percepção das coisas à função mental do cérebro
que nos permite comunicar
foram danificados pelo que, segundo palavras da própria Melody, a mesma
tornou-se um bocadinho “vegetal”.
Até que, durante o processo de reabilitação da sua lesão
cerebral, um dos seus médicos aconselhou-a uma terapia alternativa: a música.
O facto de ler e conseguir reproduzir verbalmente uma
música, ajudou Melody a melhorar as suas capacidades cognitivas, permitindo ao
seu cérebro construir novos caminhos entre a sua percepção e a sua memória, facilitando a sua articulação de discurso.
Melody começou então por escrever músicas ainda no hospital (grande
parte acerca da sua reabilitação) bem como, aprendeu a tocar guitarra lá. De seguida,
passou a cantar as suas músicas sob forma de sussurro para um gravador e em 2005 lançou finalmente um EP independente, que foi disponibilizado para download na internet
– "Some Lessons: The Bedroom Sessions". Do mesmo fazem parte temas
autobiográficos com este "Some Lessons".
It's a miracle that I'm alive(..)To think
that I could have fallen/A centimeter to the left/Would not be here to see the
sunset/Or have myself a time...
As suas músicas adquiriram alguma notoriedade e
reconhecimento levando Melody a gravar um álbum demo, que rapidamente foi “agarrado”
pela Universal Records. Assim, em 2008 surge o seu primeiro álbum - "Worrisome Heart" - que inclui alguns
temas do seu anterior EP e novos temas originais como este caloroso "Quiet Fire".
A sua música é genuína, vivida, sentida. Percebe-se que vem
do seu coração, da sua alma e dos mais profundos recantos do seu ser e isso
reflecte-se nas suas letras.
O seu jazz é doce e sofisticado… com uma áurea melancólica
como este "Love Me Like a River Does".
Love me like a river does
Cross the sea
Love me like a river does
Endlessly
Love me like a river does
Baby don't rush you're no waterfall...
Cross the sea
Love me like a river does
Endlessly
Love me like a river does
Baby don't rush you're no waterfall...
O seu segundo álbum – "My One and Only Thrill" (2009) – é igualmente encantador mas mais
maduro. Pode não ter uma carga emocional tão forte como o primeiro (que é bastante
autobiográfico), mas é extremamente rico em novas sonoridades e apresenta temas
com mais substância. Mostra-nos uma Melody mais profissional, que procura explorar
novas sonoridades como é o caso de "If
the Stars Were Mine" onde temos um sabor a Brasil ou em "Les Etoiles", cantada em francês.
O toque de blues continua presente com este sombrio "Who Will Comfort Me".
E no escuro da noite continuamos com este misterioso "Your Heart Is As Black As Night",
muito ao estilo Billie Holiday e com um trompete que lhe dá um charme irresistível!
Adoro este tema, acho ideal para uma boa noite de Inverno. Aliás, todo o álbum o é! Tão calmo e com um som tão envolvente e acolhedor… fantástico!
Prosseguimos no mesmo registo, cada vez mais calminho… que
prazer ouvir este álbum no escuro, no silêncio… temas como "Our Love Is Easy, My One and Only Thrill" ou este maravilhoso "Lover Undercover"…
cantado num sussurro.
Este ano Melody
Gardot actuou em Portugal no decorrer do Cascais Music Festival. Infelizmente,
não pude assistir ao concerto mas espero fazê-lo numa próxima vez.
O que eu não sabia e
é curioso, é que o nosso país não passa despercebido a esta cantora americana.
O seu interesse por Portugal e conhecimento acerca da nossa cultura não é de
todo superficial! Tanto que o seu novo álbum – "The Absence" - apresenta dois temas que fazem
referência a Portugal e à nossa cultura – "Amalia" e "Lisboa". Ora, cresceu
ainda mais a minha simpatia por esta cantora!
Este seu novo álbum
é de longe o mais exótico e arrojado de todos eles! Nele Melody vai, literalmente, mais longe.
Fala das suas viagens e incorpora nas suas músicas sonoridades do mundo.
Encontramos ritmos Africanos, bossa nova do Brasil, as cores de Marraquexe, o tango da Argentina e as ruas de Portugal.
Um álbum para
escutar com atenção, pois embora extremamente rico e diversificado, leva-nos
mais tempo a interioriza-lo.
Destaco o dueto
com o brasileiro Heitor Pereira neste maravilhoso "Se Você Me Ama"… tão bonito.
Melody concede palestras frequentemente em Universidades e
Hospitais, nas quais fala dos benefícios que a música teve na recuperação da sua
lesão cerebral e na sua vida em geral. Diz-se também que a mesma está envolvida
num programa de musico-terapia que está a ser desenvolvido por uma Universidade americana.
Tenho uma tremenda admiração por casos como os de Melody Gardot. Casos de luta, de transformação e de vitória face às adversidades. E acho incrível perceber o papel que a música pode assumir em situações como esta - o papel de poder curar uma pessoa.
É engraçado… digo constantemente que a música é a minha
melhor terapia… de facto, não estou muito longe da verdade.
Haja saúde e muita música!
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