segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Gil Scott-Heron



 É engraçada a forma como certas pessoas surgem na nossa vida.

Com o tempo apercebemo-nos daquelas que ficam, que fazem questão de nos acompanhar, e daquelas que partem, que já cumpriram o seu papel.

Acredito seriamente que estamos todos ligados e que não surgimos na vida uns dos outros por acaso. Por vezes é circunstancial, crucial até, consoante os momentos e as fases da vida que estamos a atravessar. Enfim, pode parecer um pouco transcendente, mas penso que determinadas pessoas permanecem na nossa vida o tempo que tiver que ser, nem mais nem menos. O tempo que tivermos a aprender com elas e elas connosco. Funciona como uma troca, na qual damos e recebemos. Uma troca que faz-nos crescer, evoluir, amadurecer.
Seja qual for a razão, acredito que todas e cada uma das pessoas com as quais nos cruzamos ao longo do nosso caminho têm um papel, um sentido, um significado.




Este ano surgiu uma pessoa na minha vida graças à música - um amor em comum. 
E neste Natal essa pessoa reacendeu o espírito natalício que estava apagado em mim, com um gesto simples de generosidade e amizade.
A forma que eu tenho de lhe agradecer e retribuir, é esta. 

Vês, eu bem te disse que cada post tinha a sua hora de ser e acontecer… ;)




Nome incontornável da música soul, hoje trago-vos um cantor, um músico e um poeta – Gil Scott-Heron.

Já conheci a música de Gil Scott-Heron tarde. 

Sabia da sua existência, de ser conhecido por ser o grande poeta negro da música Americana, do seu mítico poema "The Revolution Will Not Be Televised", mas nunca tinha dedicado muito tempo a conhecer a sua música e a perceber a versatilidade que alcança este cantor, bem como o sentimento, a garra e a revolta que põe nas suas canções.

Quando Gil Scott-Heron actuou pela primeira e única vez em Portugal, em Maio de 2010, eu ainda não tinha consciência disso. Um ano após esse concerto, Heron viria a falecer aos seus 62 anos. Só então, como infelizmente muitas vezes acontece sempre que morre um artista, viria a conhecer verdadeiramente a sua obra. 

Heron é um poeta do povo, um activista. 
Como compositor e cantor não tem medo de falar abertamente sobre aquilo que lhe aflige, que aflige o seu país. Heron expõe, critica, questiona.
Como músico, tanto podemos ouvi-lo a cantar os seus versos sob forma do rap (diz-se inclusive que Heron foi um dos progenitores do hip hop), bem como embalar-nos ao som do jazz ou deixar-nos melancólicos ouvindo o seu blues…  


Este poeta nasceu em Chicago (EUA), mas cedo mudou-se para o bairro de Bronx (Nova York), onde iniciou os seus estudos. Desde a adolescência que Heron escrevia poesia. mas foi durante os anos de faculdade que o mesmo dedicou-se a escrever a sua primeira novela – “The Vulture”, publicada em 1970.

Nesse mesmo ano, Heron conhece o lendário produtor de jazz, Bob Thiele, e, encorajado pelo mesmo, lança o seu primeiro álbum – “Small Talk at 125th and Lenox”, inspirado no seu volume de poemas com o mesmo nome. 

Este disco tem como tema principal a dura crítica à superficialidade dos meios de comunicação (em especial a televisão), ao consumismo em massa e à consequente ignorância dos cidadãos brancos Americanos.  
Além da conhecida “The Revolution Will Not Be Televised”, o álbum conta com outro poema controverso como é este “Whitey on the Moon”.



A rat done bit my sister Nell.
(with Whitey on the moon)
Her face and arms began to swell.
(and Whitey's on the moon)
I can't pay no doctor bill.
(but Whitey's on the moon)
Ten years from now I'll be payin' still.
(while Whitey's on the moon)

Em 1971 é lançado “Pieces of a Man”, o seu segundo trabalho e, para mim, o seu melhor álbum. O mesmo conta com uma estrutura de canções mais convencional, com uma menor predominância da palavra-falada, bastante influente no seu anterior trabalho. 

O tema-título do disco é, simplesmente, sensacional… 
De uma sensibilidade tremenda, nesta canção um menino descreve-nos a forma em como assiste à tristeza e desolação que caiu sobre o seu pai, após perder o emprego. Uma música que retrata as dificuldades que se faziam sentir naquela época. Um música que eu adoro pela capacidade que tem de ser tão dura e tão doce ao mesmo tempo.



I saw my daddy greet the mailman
And I heard the mailman say
"Now don't you take this letter to heart now Jimmy
Cause they've laid off nine others today"
He didn't know what he was saying
He could hardly understand
That he was only talking to
Pieces of a man
I saw the thunder and heard the lightning
And felt the burden of his shame
And for some unknown reason
He never turned my way

Com melodias igualmente calmas e incitando valores como a paz, a liberdade e o amor, encontramos os temas “Save the Children” e "I Think I'll Call It Morning".






A destacar também deste álbum os temas: "Lady Day and John Coltrane" – uma dedicatória aos músicos de jazz que mais o influenciaram (John Coltrane e Billie Holiday), e "Home Is Where the Hatred Is" - outro tema difícil, em que o narrador vive num ghetto no qual a alegria e a esperança não têm lugar.





  
Em 1974 Heron lança outro álbum extremamente aclamado pela crítica – “Winter in America”. Tal como em “Pieces of a Man”, conta com a colaboração do seu amigo músico, compositor e produtor, Brian Jackson.
Neste trabalho Heron recorre às raízes da cultura Afro-Americana, dando-lhe uma sonoridade mais Afro e R&B, evidenciando, contudo, um toque de jazz e blues conferidos por Brian através dos seus apontamentos de piano e flauta nas suas músicas. Tal é visível no seu, talvez, maior êxito de sempre – “The Bottle”.



               
O nome do álbum é representativo do que Heron quer transmitir – um inverno frio e cinzento que se abateu sobre o país Americano. É referida novamente a desilusão social e a decadência das condições humanas, particularmente em ambientes urbanos como os ghettos. Temas como pobreza, alcoolismo ou escândalos políticos são também abordados. 




Além deste jazzy "Peace Go with You, Brother", também encontramos no álbum outro tema com um swing maravilhoso - “Rivers of My Fathers” – uma viagem às raízes, no qual o narrador pede ao “rio” que lhe leve para casa. Casa esta, entenda-se por África - Looking for a way out of this confusion/I'm looking for a sign, carry me home/Let me lay down by a stream and let me be miles from everything/Rivers of my fathers, could you carry me home…




E, sem o rio mas com groove, chegamos a “Back Home” - uma música mais positiva, onde valores como a família e o amor são enfatizados. Destaco também as baladas "Song for Bobby Smith" e "Your Daddy Loves You”, esta última dedicada à sua filha. A flauta de Brian Jackson enfeita igualmente estas músicas.



Gil Scott-Heron lançou mais álbuns ao longo dos anos 70, quatro na década de 80 e um na década de 90 (em 1994). Por fim, regressa passados dezasseis anos, lançando em 2010 o seu último álbum “I'm New Here”. Um álbum bem recebido pela crítica e uma felicidade para muitos pelo seu regresso para, ironicamente, um ano depois nos deixar. Fica o single retirado com o mesmo nome.




Gosto destes dois lados de Gil Scott-Heron… o lado negro, sombrio, onde há revolta, indignação, onde são cantados os problemas sob forma de alerta, de mensagem. E depois, o lado doce, pacífico, calmo, livre… onde reside a esperança por um amanhã melhor, onde reside o amor pela vida, pelas pessoas. Esse amor precisamente pelo qual vale a pena lutar. 

Gosto ainda mais quando estes dois lados se tocam, e quando ouvimos poemas através de melodias bonitas.

Tenho pena de não o ter conhecido mais cedo, de não ter ido ao seu concerto. Acho que teria adorado sentir as suas palavras, ouvir a voz que clamou tanto por um povo… Teria adorado, igualmente, deliciar-me com o som característico do seu piano e da flauta nas suas músicas… Enfim, fica o consolo de saber que a sua música é imortal e poderei recorrer a ela e a ele, sempre que quiser.






Bem, e visto que este será o último post do ano, parece-me que deveria dizer qualquer coisa acerca do assunto… A verdade é que nunca liguei muito a celebrações de fim de ano. Basicamente considero um dia como outro qualquer. No entanto, não deixa de representar o fechar do mais um ciclo e o começo de outro. E no final de cada ciclo é inevitável não fazermos um balanço, uma reflexão do que passou, das nossas acções, do que vivemos, do que conquistámos, do que perdemos. Da mesma forma, torna-se também inevitável não pensarmos no futuro, fazermos planos para o novo ano, objectivos que queremos ver realizados. 

Cada ano traz-nos coisas boas e outras menos boas. Há anos que nos marcam, anos de mudança, outros passam despercebidos, serenos, sem grandes oscilações. Seja qual for o tipo de ano, gosto de olhar para trás e recordar os bons momentos que vivi, interiorizar as lições que aprendi. Gosto mais ainda de olhar em frente, ver o caminho que ainda tenho por percorrer e a bagagem que levo comigo para fazê-lo. Uma bagagem um bocadinho mais cheia a cada ano que passa.

Este ano foi um ano de algumas mudanças para mim. Mudanças boas, que me fizeram avançar, evoluir. Mas já que começámos por falar de relações humanas, fico feliz por saber que, além dessas mudanças, também trago na minha bagagem mais pessoas que passaram a fazer parte da minha vida. Novas amizades que me fazem sentir bem. Isso sim, mais do que tudo, deixa-me feliz. Isso sim quero levar em abundância na minha bagagem quando um dia me for. Até lá, que venham muitos e bons anos pela frente!

Bom 2013 para todos.

Sejam felizes!

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Soulful Christmas



Sei que parece um pouco previsível – “Ok, estamos no Natal, logo, ela tinha que fazer um post sobre o Natal.”

Na verdade nem sequer era essa a minha ideia… Até tinha acordado comigo mesma que não iria escrever um post sobre o Natal! Isto porque, embora adore esta época, este ano não sei porquê o meu espírito Natalício não está lá muito famoso. 

Contudo, a história deste post é idêntica à história da minha árvore de Natal! Passo a explicar. Este ano, dado o meu fraco entusiasmo Natalício, não estava com grande vontade de fazer a minha árvore de Natal. Todavia, a Sra. Dona minha mãe lá me convenceu do contrário e agora aqui estou eu, olhando para ela, com as luzinhas douradas a piscar, cintilando no escuro da minha sala. Devo confessar que, embora reticente ao início, a verdade é que agora aprecio a sua companhia e o aconchego e calor que ela me traz.

Pois bem, em relação a este post passou-se exactamente a mesma coisa! Não ia escrevê-lo mas, a certa altura pensei - “Porque não pesquisar algumas músicas?” (apenas por curiosidade). 
De seguida (ainda curiosa), pensei novamente - “Então e se agora pesquisasse também alguns artistas?”.
Por fim (satisfeita a curiosidade), após ter cerca de 20 novos vídeos adicionados na minha playlist do youtube, apercebi-me com uma certa alegria que muitos dos meus ídolos deram a sua voz para celebrar esta quadra festiva. 

Animou-me perceber que também podemos celebrar o Natal ao som dos mais variados ritmos – Soul, Jazz, Blues ou até mesmo Funk… Enfim, percebi que tinha vontade de escrever este post e decidi que, no matter what, I'll be groovin' at Christmas time! ;)




Em 1968 James Brown lança um álbum dedicado ao Natal, cujo nome não poderia ser outro a não ser - Funky Christmas. James celebra o Natal neste disco de forma divertida e descontraída, interpretando num registo bem funky alguns temas clássicos desta época Natalícia e outros, não tão clássicos, como Santa Claus Go Straight to the Ghetto.

No mesmo ano, outra grande voz do Soul dá música àquele Natal. Falo de Otis Redding e do seu single póstumo White Christmas, lançado aproximadamente um ano após a sua fatídica morte em Dezembro de 1967.




Não podemos também esquecer da nossa querida Lady Soul – Aretha Franklin - também ela prestou a sua homenagem ao Natal com este Kissing by the Mistletoe, editado em 1961.




Donny Hathaway, para quem desconhece, é também um dos meus cantores de Soul preferidos. O que eu não sabia era que o mesmo foi o co-autor e intérprete do clássico This Christmas, lançado em 1970 e desde então utilizado nos mais variados filmes e anúncios televisivos bem como, alvo dos mais variados covers por nomes como Diana Ross, Aretha Franklin, The Temptations ou Stevie Wonder.




E já que falamos de Stevie Wonder, também ele deu o seu toque único e inconfundível ao Natal, com este fantástico What Christmas Means To Me.




Este e outros temas fazem parte da compilação lançada em 1973 pela editora Motown, a qual reúne um conjunto de canções de Natal interpretadas pelas suas estrelas de então, como eram The Supremes, Smokey Robinson, The Tempations ou The Jackson 5.




Por fim, a versão Blues do Natal chega-nos em 1979, com esta magnífica interpretação ao vivo de Merry Christmas, Baby pelo brilhante Ray Charles, aquando da sua performance no Monastério de Ettal (Alemanha).




Embora os clássicos permaneçam sempre, hoje em dia os ritmos que enfeitam o nosso Natal são outros. Mais contemporâneos, com sonoridades mais Pop, ajustadas aos nossos tempos. Temas como Last Christmas dos Wham ou All I Want for Christmas de Mariah Carey tornaram-se hits incontornáveis. Não vou expo-los aqui uma vez que, vocês já estão cansados de ouvi-los. Prefiro antes deixar esta divertida versão do All I Want for Christmas na qual Jimmy Fallon e os The Roots se juntam à Mariah.




E com a Mariah Carey continuamos (de facto, ela tem jeito para cantar músicas de Natal!), desta vez acompanhada por outra voz maravilhosa, a de John Legend!




O próprio John Legend possui um álbum editado em 2006 dedicado ao Natal (The John Legend Collection - NBC Sounds of the Season - Holiday Song), no qual podemos deliciar-nos com temas como este Winter Wonderland.




Por fim, e para espalhar ainda mais o espírito Natalício dentro de mim, quem é que eu encontro?? Estes dois senhores – José James e Mayer Hawthorne!
Ambos um prazer para os meus ouvidos.
Ambos e apenas um piano tornam-se mais do que suficientes para aquecer qualquer ambiente.






Bem, espero ter fomentado também em vós o espírito Natalício! Em todo o caso, sempre ficam com uma bela playlist Natal! ;)

Creio que o meu espírito Natalício ainda não se activou por completo porque ainda não me encontro junto da minha família. Penso que assim que isso aconteça, será automático!

Todos os anos é a mesma história, mas acontece que a cada ano que passa e à medida que vou envelhecendo, apercebo-me cada vez mais do verdadeiro significado destes momentos. Numa idade em que já não ligo a presentes (que era a grande excitação enquanto era criança), em que aliás quase que prefiro dá-los que recebê-los, aquilo que realmente me importa e me interessa é estar junto daqueles que mais amo. É regressar às origens, ao aconchego do lar, às recordações de infância.

É por isso que, embora saiba que eles não o irão ler, dedico este post às pessoas mais importantes da minha vida e com as quais estou ansiosa por estar neste Natal – os meus pais.



Aproveito também para vos desejar um feliz, quentinho e doce Natal! Seja com os vossos pais, filhos, irmãos, tios, avós, amigos, namorados, etc. O importante é estarem junto daqueles que amam.

Peace and have yourself a merry (and groovy) little Christmas!! ;)


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Mexefest

Este ano foi, sem dúvida, o ano em que assisti aos melhores concertos da minha vida.

Começou com D’Angelo em Fevereiro, seguiu-se Stevie Wonder em Junho, Erykah Badu em Julho e agora, quando julgava que o ano já estava mais do que ganho, para fechar em beleza recebo este bombom que foi assistir aos concertos de Cody Chesnutt e Michael Kiwanuka no festival Vodafone Mexefest.

Michael Kiwanuka 



Michael Kiwanuka foi das surpresas mais agradáveis que tive nos últimos tempos. A sua voz é de facto impressionante e a sua música apresenta qualidade e pernas para crescer, amadurecer e diversificar-se.

Este ano já tinha assistido a um concerto de Kiwanuka no EDP CoolJazz, em Oeiras. Contudo, este concerto apenas me deixou água na boca. Talvez porque nem o âmbito, nem o espaço, nem o público do concerto fossem os mais adequados. Como tal, estava expectante em relação ao concerto de sábado que, sem sombra de dúvida, correu bem melhor.

Notava-se uma maior cumplicidade entre Kiwanuka e a sua banda e, consequentemente, o seu maior à-vontade em palco. As músicas que nós tanto gostamos foram bem interpretadas. Destaco Tell Me A Tale, sem dúvida a sua música-estrela, da qual nos foi presenteada uma magnífica extensão. O swing de Bones é sempre um prazer ouvir e Rest foi simplesmente arrepiante… Kiwanuka tem a vantagem de não precisar de muito para nos desarmar, basta a intensidade da sua voz e uma guitarra.
Ainda de mencionar Waterfall – o cover de Jimi Hendrix (umas das suas grandes referências musicais) que, por não ser tão conhecida, aproveito para vos deixar aqui.


  
Cody ChesnuTT



Bem, mas a verdadeira surpresa deste fim-de-semana, para mim, tem o nome de Cody ChesnuTT.

A bem dizer, nem posso considerar que tenha sido uma surpresa, pois fui para este concerto com as expectativas bem altas. No entanto, uma coisa é saber que o cantor tem uma boa voz, gostar das suas músicas, do seu trabalho… outra coisa é vê-lo e ouvi-lo ao vivo e sentir toda a sua entrega.
Ver a forma como se move ao som da música, as expressões da sua cara, o groove que lhe sai do corpo (e da alma).
Apreciar a beleza da sua voz tal qual ela é, limpa, sem enfeites.
Sentir a paixão que deposita em cada palavra.
Perceber que o que canta tem significado para ele e a importância que tem poder transmiti-lo.

Todo este conjunto só se atinge quando um cantor é vivido, amadurecido... quando traz a sua vida para as suas músicas e quando a música é também a sua vida. Um amor sincero e incondicional.

Eu senti tudo isso em Cody Chesnutt e ainda estou a vibrar de felicidade por esse momento.



Foi com esta música que Cody abriu o concerto, envergando o seu característico capacete.

É também este tema que abre o seu último e mais recente álbum – Landing On a Hundred.

Para quem desconhece o percurso de Cody, o mesmo apenas conta com mais um álbum editado - The Headphone Masterpiece - gravado em 2002 num estúdio improvisado no seu quarto. Desse álbum faz parte o tema The Seed, com o qual os The Roots fizeram uma versão, dando Cody a voz.
Tal conferiu a Cody alguma notoriedade, tornando-o bastante aliciante para as editoras. Todavia, resultado do estilo de vida que levava na altura, em que a infidelidade para com a sua mulher era frequente, Cody optou por se dedicar à sua família (mulher com quem é casado há 15 anos e dois filhos) e "limpar" o seu percurso, dando um novo rumo à sua vida.

Conto-vos isto para que entendam o significado das suas músicas e percebam também o motivo pelo qual ele as canta com tanto sentimento.

Este álbum constitui uma espécie de redenção pessoal para Cody. Um período de introspecção em que se questionou acerca da sua vida e do caminho que queria seguir para a mesma.

Til I Met Thee reflecte exactamente esse período, de uma forma muito espiritual. Segundo o próprio - he was asleep/ A stranger in a foreign land/ A person walking in darkness with no sense of direction… / Til he met thee Lord.

Posto isto, continuemos com o concerto!


Esta era uma das músicas da noite mais esperadas por mim!  

That's Still Mama tem um groove fantástico, e eu estava mortinha por vê-lo interpretá-la! E que prazer foi poder fazê-lo… Mais do que isso, consegui ficar na primeiríssima fila e ver todo o concerto ao pormenor! Que bom... que bom foi ver claramente as expressões da sua cara quando cantava, ver como se contorcia ao som da música… de facto groove é algo que se tem ou não se tem! Para ser bom e verdadeiro, tem de ser natural, instintivo, sair do corpo, nem que seja com o simples bater do pé… e o groove de Cody é-lhe completamente natural, genuíno, contagiante! Tanto que por várias vezes no concerto os seus gestos e a sua forma de cantar fizeram-me lembrar o grande Marvin Gaye.




Everybody's Brother é outro tema autobiográfico em que Cody se refere à sua infidelidade no casamento e ao problema de adicção às drogas do seu tio. Na música é dado ênfase à frase "no turning back", que significa o não voltar a esse estilo de vida destrutivo. O mesmo "no turning back" foi entoado na estação do Rossio pelas vozes felizes que lá se encontravam, repetidamente, ora alto, ora bem baixinho... Como Cody puxou por nós! Fez questão de ouvir a nossa voz, dar-nos a mão, sentir o nosso calor.
O mesmo aconteceu em Parting Ways, quando o senti colado a mim enquanto se equilibrava no gradeamento por forma a puxar ainda mais por nós. Extraordinária a sua entrega.




Outra música que nos pôs a sorrir foi a doce Love is More Than a Wedding Day, em que pudemos vê-lo feliz enquanto dançava sozinho de olhos fechados, como se tivesse ali consigo o seu par. Faltou a esta música os coros que lhe dão um toque de gospel para a tornar ainda mais bonita. Esse foi de facto o único ponto fraco do concerto - a pobre estrutura da banda. Eu confesso que bem tentei olhar para os restantes elementos, mas os meus olhos iam sempre parar nele. É verdade que a sua forte presença em palco foi suficiente para nos proporcionar um concerto sensacional, mas se a isso lhe tivéssemos juntado uma banda de fundo completa (instrumentos de sopro e coros incluídos)... Ui! Aí sim, teria sido algo extra sensacional!

Aém destas, também fizeram parte do reportório Under the Spell of the Handout, What Kind of Cool (Will We Think of Next)  e o consciencioso Where is all the Money Going.


Por fim, quando volta para o seu encore, dá-nos a agradável (e penso que também fresquinha) notícia de que no dia 16 de Março estará de volta a Portugal para um concerto na Aula Magna! Na altura não percebi muito bem o dia, mas ontem pude confirmar com o próprio quando o encontrei pela segunda vez, agora à entrada para o concerto de Kiwanuka! :)
Sim, tive o prazer e a sorte de “esbarrar” com Cody Chesnutt antes do seu concerto na sexta e novamente no sábado! Inacreditável, mas agradeço a quem quer que seja lá em cima por me proporcionar estes encontros inesperados!!

Na primeira vez apenas tive tempo para tirar uma fotografia com ele, mas na segunda deu para conversarmos um bocadinho e, pude dizer-lhe de forma muito resumida, tudo aquilo que tinha sentido no seu concerto. Foi fantástico ver a expressão incrédula na sua cara a forma como, humildemente, me repetia “Obrigado, obrigado!” – ao que eu lhe respondia “Não Cody, obrigada eu!!!” (Lol) Uma amiga minha falou-lhe do meu blogue e eu disse-lhe que o meu próximo post seria sobre ele. Bem, a sua expressão ainda mais incrédula ficou! E novamente - “Obrigado, obrigado!”(Lol). Que prazer foi conhecê-lo!

Não sei, nem consigo explicar o porquê de me sentir como me sinto com tudo isto, de como este estilo de música me faz vibrar…Talvez pela sua essência, pela sua história, pela sua sonoridade, pelas suas vozes… não sei, simplesmente não sei dizer. Apenas sei que me faz sentir uma felicidade tremenda. Como uma descarga de adrenalina que me é injectada no corpo e perdura por dias e dias. Alguns de vocês devem perceber do que falo, outros nem tanto... De qualquer forma, é um prazer enorme para mim poder partilhá-lo com todos, como tal, aqui fica o meu também “Obrigado, obrigado!” ;)



quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Melody Gardot




Existem histórias de vida impressionantes.

Por vezes, acontecimentos inesperados alteram por completo a nossa trajectória, abalam a nossa estrutura e nos fazem repensar em todos os nossos padrões, valores e objectivos. Em tudo o que vivemos até o presente e nos passos que iremos percorrer no futuro.

Apercebemo-nos da capacidade fantástica que o ser humano tem de readaptar-se às circunstâncias em que se encontra e aprendemos a realizar um exercício muito simples e muito importante, que nos é precioso e que, habitualmente, denominamos por “relativizar as coisas”.

Acima de tudo, ganhamos a certeza de que nada do que nos rodeia é garantido, como tal, o melhor mesmo é viver a vida com paixão a cada momento, saboreá-la nos mais ínfimos detalhes, apreciá-la nas coisas simples e, essencialmente, passá-la junto daqueles que nos fazem felizes e ter vontade de retribuir.

E o que tem esta filosofia toda a ver com música?? (perguntam vocês)
Tem tudo. A partir do momento em que a música pode mudar a vida de uma pessoa e ajudá-la a começar de novo.       
  
Apeteceu-me escrever sobre um exemplo de força, de superação na vida… e apeteceu-me fazê-lo ouvindo uma música suave e envolvente, que me aqueça numa noite como esta. Daí pensei – Melody Gardot.



Foi com esta música que Melody Gardot me foi apresentada.

Adorei a suavidade da sua voz, da melodia, da letra… tudo! Diria, aliás, que “suave” é o adjectivo que melhor define a música de Gardot. Gosto de ouvir os seus álbuns quando quero sentir-me... aconchegada. A sua sonoridade é tão acolhedora que transmite-me paz e calor. 

Sempre que descubro um novo cantor ou grupo do qual gosto, tenho por hábito fazer uma pequena pesquisa acerca da sua carreira e do seu percurso de vida. É algo que, de certa forma, ajuda-me a perceber a sua música e a contextualizá-la também. Por vezes, pode alterar até, a minha forma de sentir e escutar a música.

Com Melody Gardot essa pesquisa sensibilizou-me e percebi perfeitamente a razão de ser de algumas das suas músicas, como esta:


I need a hand with my worrisome heart
I need a hand with my worrisome heart
I would be lucky to find me a man
Who could love me the way that I am
With this here worrisome heart
I need a break from my troubling ways
I need a break from my troubling ways
I would be lucky to find me a man
Who could love me the way that I am
With all my troubling ways
I need a man who got no baggage to claim
I need a man who got no baggage to claim
I would be lucky to find me a man
Who could love me the way that I am
A worrisome troubling baggage free modern day dame,
a worrisome troubling baggage free modern day dame
Ain't no body the same


"Worrisome Heart" é a primeira música do seu primeiro álbum de igual nome, lançado em 2008. Além da melodia sedutora e envolvente, gosto do toque de blues desta música, do seu início com o piano e da forma como a sua voz e os restantes instrumentos vão surgindo suavemente na música.

E a letra… a letra diz-nos muito acerca da mulher que a escreveu.

Melody é americana e tem 27 anos. Ao contrário da maioria dos cantores, não começou cedo no mundo da música, pois os seus objectivos de vida não passavam por aí. Mas a vida é de facto curiosa e troca-nos as voltas…

Aos 19 anos, enquanto passeava de bicicleta, Melody foi atropelada por um carro que ignorou um sinal vermelho. Esse acidente causou-lhe lesões graves na coluna, confinando-a a uma cama de hospital durante 1 ano, e também no seu cérebro, tornando-a hipersensível ao som e à luz (daí a mesma utilizar permanentemente óculos escuros por forma a proteger os seus olhos e daí a suavidade da sua música, uma vez que não é tolerante a sons fortes e estridentes).

Além desta lesão cerebral, também a sua memória de curta e longa duração foi afectada, fazendo com que Melody tivesse dificuldades relativamente ao seu sentido do tempo. Os caminhos neurais que ligam a percepção das coisas à função mental do cérebro que nos permite comunicar foram danificados pelo que, segundo palavras da própria Melody, a mesma tornou-se um bocadinho “vegetal”.
Até que, durante o processo de reabilitação da sua lesão cerebral, um dos seus médicos aconselhou-a uma terapia alternativa: a música.

O facto de ler e conseguir reproduzir verbalmente uma música, ajudou Melody a melhorar as suas capacidades cognitivas, permitindo ao seu cérebro construir novos caminhos entre a sua percepção e a sua memória, facilitando a sua articulação de discurso.

Melody começou então por escrever músicas ainda no hospital (grande parte acerca da sua reabilitação) bem como, aprendeu a tocar guitarra lá. De seguida, passou a cantar as suas músicas sob forma de sussurro para um gravador e em 2005 lançou finalmente um EP independente, que foi disponibilizado para download na internet – "Some Lessons: The Bedroom Sessions". Do mesmo fazem parte temas autobiográficos com este "Some Lessons".

 
It's a miracle that I'm alive(..)To think that I could have fallen/A centimeter to the left/Would not be here to see the sunset/Or have myself a time...


As suas músicas adquiriram alguma notoriedade e reconhecimento levando Melody a gravar um álbum demo, que rapidamente foi “agarrado” pela Universal Records. Assim, em 2008 surge o seu primeiro álbum - "Worrisome Heart" - que inclui alguns temas do seu anterior EP e novos temas originais como este caloroso "Quiet Fire".
  

A sua música é genuína, vivida, sentida. Percebe-se que vem do seu coração, da sua alma e dos mais profundos recantos do seu ser e isso reflecte-se nas suas letras. 

O seu jazz é doce e sofisticado… com uma áurea melancólica como este "Love Me Like a River Does".


Love me like a river does
Cross the sea
Love me like a river does
Endlessly
Love me like a river does
Baby don't rush you're no waterfall...


O seu segundo álbum – "My One and Only Thrill" (2009) – é igualmente encantador mas mais maduro. Pode não ter uma carga emocional tão forte como o primeiro (que é bastante autobiográfico), mas é extremamente rico em novas sonoridades e apresenta temas com mais substância. Mostra-nos uma Melody mais profissional, que procura explorar novas sonoridades como é o caso de "If the Stars Were Mine" onde temos um sabor a Brasil ou em "Les Etoiles", cantada em francês.

O toque de blues continua presente com este sombrio "Who Will Comfort Me". 




E no escuro da noite continuamos com este misterioso "Your Heart Is As Black As Night", muito ao estilo Billie Holiday e com um trompete que lhe dá um charme irresistível! Adoro este tema, acho ideal para uma boa noite de Inverno. Aliás, todo o álbum o é! Tão calmo e com um som tão envolvente e acolhedor… fantástico!

  


Prosseguimos no mesmo registo, cada vez mais calminho… que prazer ouvir este álbum no escuro, no silêncio… temas como "Our Love Is Easy, My One and Only Thrill" ou este maravilhoso "Lover Undercover"… cantado num sussurro.




Este ano Melody Gardot actuou em Portugal no decorrer do Cascais Music Festival. Infelizmente, não pude assistir ao concerto mas espero fazê-lo numa próxima vez. 
O que eu não sabia e é curioso, é que o nosso país não passa despercebido a esta cantora americana. O seu interesse por Portugal e conhecimento acerca da nossa cultura não é de todo superficial! Tanto que o seu novo álbum – "The Absence" - apresenta dois temas que fazem referência a Portugal e à nossa cultura – "Amalia" e "Lisboa". Ora, cresceu ainda mais a minha simpatia por esta cantora! 



Este seu novo álbum é de longe o mais exótico e arrojado de todos eles! Nele Melody vai, literalmente, mais longe. Fala das suas viagens e incorpora nas suas músicas sonoridades do mundo. Encontramos ritmos Africanos, bossa nova do Brasil, as cores de Marraquexe, o tango da Argentina e as ruas de Portugal.

Um álbum para escutar com atenção, pois embora extremamente rico e diversificado, leva-nos mais tempo a interioriza-lo.

Destaco o dueto com o brasileiro Heitor Pereira neste maravilhoso "Se Você Me Ama"… tão bonito.



Melody concede palestras frequentemente em Universidades e Hospitais, nas quais fala dos benefícios que a música teve na recuperação da sua lesão cerebral e na sua vida em geral. Diz-se também que a mesma está envolvida num programa de musico-terapia que está a ser desenvolvido por uma Universidade americana.

Tenho uma tremenda admiração por casos como os de Melody Gardot. Casos de luta, de transformação e de vitória face às adversidades. E acho incrível perceber o papel que a música pode assumir em situações como esta - o papel de poder curar uma pessoa.

É engraçado… digo constantemente que a música é a minha melhor terapia… de facto, não estou muito longe da verdade.

Haja saúde e muita música!