quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Soundtrack For a Revolution!




É com este documentário que hoje dou inicio a mais um post.



Nos tempos que correm, torna-se cada vez mais importante o papel reivindicativo e activista que a música pode assumir.

No passado foram muitos os que assim o fizeram… os que transmitiram a sua revolta, a sua indignação contra o preconceito, a corrupção, a desigualdade de direitos, de oportunidades… transmitiram-nos também os seus ideais, sonhos e ambição por um mundo melhor, mais equilibrado, mais justo.

O importante era transmitir a mensagem e fazê-la chegar às pessoas, a todos aqueles que partilhassem do mesmo sentimento. Por vezes uma mensagem forte, crítica, dura... mas também de paz, de amor, de liberdade… Acima de tudo, uma mensagem de esperança, de acreditar que sim é possível viver num mundo melhor, se estivermos todos dispostas a lutar por isso.

Esta é uma das características fabulosas que a música possui… a capacidade de união que consegue criar entre as pessoas, promovendo um sentimento de solidariedade geral, que a torna numa arma poderosíssima face às forças de opressão. É uma forma de expressão livre, pacífica e bela, cuja amplitude não tem limites.

“Soundtrack For a Revolution” (2009) conta com a colaboração de músicos actuais famosos, como é o caso dos The Roots, Anthony Hamilton, John Legend, Angie Stone, Wyclef Jean (The Fugees) ou Joss Stone, e conta-nos a história do movimento pelos direitos civis do povo Americano, através da música.

Este papel activista da música nasce inicialmente do canto dos escravos, que utilizavam a música para expressar aquilo que por palavras não lhes era permitido dizer. Posteriormente, foi também a “voz” do protesto de massas operárias e por fim, instalou-se nas igrejas e comunidades Afro-Americanas, resultando numa fusão entre o Gospel e o R&B a que hoje chamamos de - Soul music

As raízes deste estilo de música fizeram com que o mesmo fosse sempre associado a “música de negros” e a movimentos contra a segregação social, o que de facto se constatava. No entanto, o poder reivindicativo desta música extendeu-se para outros movimentos de liberalismo social com naturezas diferentes, como foi o caso do movimento anti-guerra do Vietname.

Esta é mais uma razão pela qual eu amo este estilo de música e a qual levou-me a escrever este post, pois creio que cada vez mais, devemos expressar a nossa revolta, seja de que forma for.

Ora vamos percorrer então, exemplos de músicos Soul que tiveram um papel importante nos movimentos de liberalismo social, promovendo a união e a consciencialização de um povo através das mensagens expressas nas sua músicas. 

Para começar, adivinham quem escolhi????

O Rei, claro está… Mister Marvin Gaye.

O inicio dos anos 70 foi sem dúvida a melhor fase da carreira de Marvin Gaye. Em 1971 atingiu o auge do seu sucesso com o maravilhoso e poderoso tema “What’s Going On?”… Esta é uma pergunta intemporal, eu sei.. mas na época era dirigida particularmente àqueles que mantinham um país numa guerra inútil (como todas aliás), afectando milhares de famílias Americanas. 

A concepção deste álbum e tema (ambos com o mesmo nome) foi fortemente influenciada pelo seu irmão mais novo – Frankie Gaye - veterano retornado da guerra do Vietname, que sempre partilhou com Marvin os horrores daquela guerra. Marvin tomou as dores do seu irmão, bem como do povo Americano, e com isto perguntou-nos “What’s Going On?”.


"Mother, mother
There's too many of you crying
Brother, brother, brother
There's far too many of you dying
You know we've got to find a way
To bring some lovin' here today - Ya
Father, father
We don't need to escalate
You see, war is not the answer
For only love can conquer hate
You know we've got to find a way
To bring some lovin' here today…"

Um disco em forma de crítica social, que conta com outros temas igualmente fortes como “What's Happening Brother”, “Save The Children” ou “Mercy Mercy Me”, onde a preocupação neste caso era pelo meio ambiente e na forma desmedida na qual este é mal tratado pelo Homem. 



Mas Marvin não foi o único a dar o grito de alerta... também o Mestre Curtis Mayfield assim o fez várias vezes através das suas músicas, tornando-o num dos pioneiros no que diz respeito à introdução da consciencialização politico-social na música Afro-Americana. O seu álbum “Curtis” (1970) é igualmente uma declaração clara à desigualdade dos direitos sociais, a qual começa de forma impiedosa com o tema “(Don't Worry) If There's a Hell Below, We're All Going to Go”



"Sisters, brothers and the whities
Blacks and the crackers
Police and their backers
They're all political actors
Hurry
People running from their worries
While the judge and the juries
Dictate the law that's partly flaw
Cat calling, love balling, fussing and cussing
Top billing now is killing
For peace no-one is willing
Kind of make you get that feeling..."

 Para além desta música, o álbum reúne outras canções que, além de fantásticas, espelham  também um sentimento de protesto contra a segregação social que se sentia na época. Falo de por exemplo “Move On Up”, "We the People Who Are Darker Than Blue" e “Miss Black America”. Curtis cantou mais, muitas mais músicas de revolta, de luta, que apelavam à igualdade, à justiça. Falarei melhor sobre isso quando atrever-me a escrever um post sobre este Senhor... Até lá, People Get Ready...
  



Gil Scott-Heron... como não falar do poeta da música negra e dos seus magníficos e conscienciosos álbuns “Pieces Of a Man” (1971) e “Winter In America” (1974)? No primeiro encontramos o famoso poema que ao mesmo tempo é canção – “The Revolution Will Not Be Televised”.


“You will not be able to stay home, brother.
You will not be able to plug in, turn on and cop out.
You will not be able to lose yourself on skag and skip,
Skip out for beer during commercials,
Because the revolution will not be televised.

The revolution will not be televised.
The revolution will not be brought to you by Xerox
In 4 parts without commercial interruptions.
The revolution will not show you pictures of Nixon
blowing a bugle and leading a charge by John
Mitchell, General Abrams and Spiro Agnew to eat
hog maws confiscated from a Harlem sanctuary.
The revolution will not be televised…”
 
Este é só o começo. Aconselho que o leiam todo, pois dá para ter uma ideia da revolta silenciosa que se fazia sentir na época. Uma dura crítica à conjuntura político-social de então. No mesmo álbum e no mesmo tom, podemos ainda ouvir o tema "Home Is Where the Hatred Is”. No entanto, também é possível escutarmos mensagens de liberdade e de esperança por um amanhã melhor… oiçam “Save The Children” e “Pieces Of a Man”.




Nina Simone... grande, única, maravilhosa... também ela cantou por um mundo melhor com este "I Wish I Knew How It Would Feel to Be Free, do seu álbum “Silk & Soul” de 1967. Mas antes disso, já o fizera também na defesa dos direitos civis das mulheres Afro-Americanas com a canção que a mesma compusera – “Four Women”, inlcuida no seu álbum “Wild Is The Wind” (1966). Quatro mulheres, cada uma representando uma história de vida diferente, mas todas elas igualmente difíceis.




E chegamos a Ray Charles e à sua mítica “Georgia On My Mind”, uma música que marcou a sua carreira e que para sempre ficaria associada ao episódio no qual Ray em 1961 negou-se a actuar no Bell Auditorium (Georgia), quando na manifestação que decorria no recinto foi alertado por estudantes negros acerca da segregação social que teria lugar na sala de espectáculos.




Como estes, tantos outros! Alguns não tão conhecidos, como é o caso de Syl Johnson e o tema “Is It Because I'm Black?”


"The dark brown shades of my skin
Only add color to my tears
That splash against my hollow bones
That rocks my soul,
Looking back over my false dreams that I once knew
Wondering why my dreams never came true
Is it because I'm black?
Somebody tell me what can I do
Something is holding me back
Is it because I'm black?"

Poderia ficar aqui a noite inteira a partilhar convosco… mas acho que é suficiente para perceberem a força que uma música pode ter. E embora fale aqui apenas de música Soul, este poder é aplicável a qualquer estilo, não tivéssemos nós Portugueses, um exemplo tão evidente com o nosso hino de libertação “Grândola, Vila Morena”.  

A música como uma forma de revolução... uma revolução não-violenta, onde as armas são a voz de um povo.
Um acordar… um grito de alerta que nos acorda para a realidade injusta que nos rodeia.
Um ideal… um sentimento comum que nos une a todos. 

Cada um escolhe como quer fazer a sua revolução.

Eu deixo-vos paz e sempre, muita música.


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