É com este documentário que hoje dou inicio a mais um post.
Nos tempos que correm, torna-se cada vez mais importante o
papel reivindicativo e activista que a música pode assumir.
No passado foram muitos os que assim o fizeram… os que
transmitiram a sua revolta, a sua indignação contra o preconceito, a corrupção,
a desigualdade de direitos, de oportunidades… transmitiram-nos também os seus
ideais, sonhos e ambição por um mundo melhor, mais equilibrado, mais justo.
O importante era transmitir a mensagem e fazê-la chegar às
pessoas, a todos aqueles que partilhassem do mesmo sentimento. Por vezes uma
mensagem forte, crítica, dura... mas também de paz, de amor, de liberdade… Acima de tudo, uma mensagem de
esperança, de acreditar que sim é possível viver num mundo melhor, se
estivermos todos dispostas a lutar por isso.
Esta é uma das características fabulosas que a música possui… a capacidade
de união que consegue criar entre as pessoas, promovendo um sentimento de
solidariedade geral, que a torna numa arma poderosíssima face às forças de
opressão. É uma forma de expressão livre, pacífica e bela, cuja amplitude não
tem limites.
“Soundtrack For a
Revolution” (2009) conta com a colaboração de músicos actuais famosos, como
é o caso dos The Roots, Anthony Hamilton, John Legend, Angie Stone, Wyclef Jean (The Fugees)
ou Joss Stone, e conta-nos a história do movimento pelos direitos
civis do povo Americano, através da música.
Este papel activista da música nasce inicialmente do
canto dos escravos, que utilizavam a música para expressar aquilo que por
palavras não lhes era permitido dizer. Posteriormente, foi também a “voz” do
protesto de massas operárias e por fim, instalou-se nas igrejas e comunidades Afro-Americanas, resultando numa fusão entre o Gospel e o R&B a que hoje
chamamos de - Soul music.
As raízes deste estilo de música fizeram com que o mesmo fosse
sempre associado a “música de negros” e a movimentos contra a segregação
social, o que de facto se constatava. No entanto, o poder reivindicativo desta música extendeu-se para
outros movimentos de liberalismo social com naturezas diferentes, como foi o caso do movimento anti-guerra do Vietname.
Esta é mais uma razão pela qual eu amo este estilo de
música e a qual levou-me a escrever este post, pois creio que cada vez mais, devemos expressar a nossa revolta, seja de que forma for.
Ora vamos percorrer então, exemplos de músicos Soul que
tiveram um papel importante nos movimentos de liberalismo social, promovendo a
união e a consciencialização de um povo através das mensagens expressas nas sua
músicas.
Para começar, adivinham quem escolhi????
O Rei, claro está… Mister Marvin Gaye.
O inicio dos anos 70 foi sem dúvida a melhor fase da
carreira de Marvin Gaye. Em 1971 atingiu o auge do seu sucesso com o
maravilhoso e poderoso tema “What’s Going
On?”… Esta é uma pergunta intemporal, eu sei.. mas na época era dirigida particularmente àqueles
que mantinham um país numa guerra inútil (como todas aliás), afectando milhares de famílias Americanas.
A concepção deste álbum e tema (ambos com o mesmo
nome) foi fortemente influenciada pelo seu irmão mais novo – Frankie Gaye -
veterano retornado da guerra do Vietname, que sempre partilhou com Marvin os
horrores daquela guerra. Marvin tomou as dores do seu irmão, bem como do
povo Americano, e com isto perguntou-nos “What’s
Going On?”.
"Mother, mother
There's too many of you crying
Brother, brother, brother
There's far too many of you dying
You know we've got to find a way
To bring some lovin' here today - Ya
Father, father
We don't need to escalate
You see, war is not the answer
For only love can conquer hate
You know we've got to find a way
To bring some lovin' here today…"
There's too many of you crying
Brother, brother, brother
There's far too many of you dying
You know we've got to find a way
To bring some lovin' here today - Ya
Father, father
We don't need to escalate
You see, war is not the answer
For only love can conquer hate
You know we've got to find a way
To bring some lovin' here today…"
Um disco em forma de crítica social, que conta com outros
temas igualmente fortes como “What's
Happening Brother”, “Save The
Children” ou “Mercy Mercy Me”, onde
a preocupação neste caso era pelo meio ambiente e na forma desmedida na qual este é mal
tratado pelo Homem.
Mas Marvin não foi o único a dar o grito de alerta... também o
Mestre Curtis Mayfield assim o fez
várias vezes através das suas músicas, tornando-o num dos pioneiros no que diz respeito à
introdução da consciencialização politico-social na música Afro-Americana. O seu
álbum “Curtis” (1970) é igualmente
uma declaração clara à desigualdade dos direitos sociais, a qual começa de forma impiedosa
com o tema “(Don't Worry) If There's a
Hell Below, We're All Going to Go”…
"Sisters, brothers and
the whities
Blacks and the crackers
Police and their backers
They're all political actors
Hurry
People running from their worries
While the judge and the juries
Dictate the law that's partly flaw
Cat calling, love balling, fussing and cussing
Top billing now is killing
For peace no-one is willing
Kind of make you get that feeling..."
Blacks and the crackers
Police and their backers
They're all political actors
Hurry
People running from their worries
While the judge and the juries
Dictate the law that's partly flaw
Cat calling, love balling, fussing and cussing
Top billing now is killing
For peace no-one is willing
Kind of make you get that feeling..."
Para além desta música, o álbum reúne outras canções
que, além de fantásticas, espelham também um
sentimento de protesto contra a segregação social que se sentia na época. Falo de por exemplo “Move On Up”, "We the People
Who Are Darker Than Blue" e “Miss
Black America”. Curtis cantou mais, muitas mais músicas de
revolta, de luta, que apelavam à igualdade, à justiça. Falarei melhor sobre
isso quando atrever-me a escrever um post sobre este Senhor... Até lá, People Get Ready...
Gil Scott-Heron... como não falar do poeta da música
negra e dos seus magníficos e conscienciosos álbuns “Pieces Of a Man” (1971) e “Winter In America” (1974)? No primeiro encontramos o famoso poema que ao mesmo tempo é
canção – “The Revolution Will Not Be
Televised”.
“You will not be able to stay home, brother.
You will not be able to plug in, turn on and
cop out.
You will not be able to lose yourself on
skag and skip,
Skip out for beer during commercials,
Because the revolution will not be
televised.
The revolution will not be televised.
The revolution will not be brought to you by
Xerox
In 4 parts without commercial interruptions.
The revolution will not show you pictures of
Nixon
blowing a bugle and leading a charge by John
Mitchell, General Abrams and Spiro Agnew to
eat
hog maws confiscated from a Harlem
sanctuary.
The revolution will not be televised…”
Este é só o começo. Aconselho que o leiam todo, pois dá para ter uma ideia da revolta silenciosa que se fazia sentir na época. Uma dura crítica à conjuntura político-social de então. No mesmo álbum e no mesmo tom, podemos ainda ouvir o tema "Home Is Where the
Hatred Is”. No entanto, também é possível escutarmos mensagens de liberdade e de esperança por um amanhã melhor… oiçam “Save
The Children” e “Pieces Of a Man”.
Nina Simone... grande, única, maravilhosa... também ela cantou
por um mundo melhor com este "I Wish I Knew How It Would Feel to Be Free”,
do seu álbum “Silk & Soul” de
1967. Mas antes disso, já o fizera também na defesa dos direitos civis das mulheres
Afro-Americanas com a canção que a mesma compusera – “Four Women”, inlcuida no seu álbum “Wild Is The Wind” (1966). Quatro mulheres, cada uma representando uma
história de vida diferente, mas todas elas igualmente difíceis.
E chegamos a Ray Charles e à sua mítica “Georgia On My
Mind”, uma música que marcou a sua carreira e que para sempre ficaria associada
ao episódio no qual Ray em 1961 negou-se a actuar no Bell Auditorium (Georgia), quando na manifestação que decorria no recinto foi alertado por estudantes negros acerca da segregação social que
teria lugar na sala de espectáculos.
Como estes, tantos outros! Alguns não tão conhecidos, como é o
caso de Syl Johnson e o tema “Is It Because I'm Black?”
"The dark brown shades of my skin
Only add color to my tears
That splash against my hollow bones
That rocks my soul,
Looking back over my false dreams that I once knew
Wondering why my dreams never came true
Is it because I'm black?
Somebody tell me what
can I do
Something is holding me back
Is it because I'm black?"
Something is holding me back
Is it because I'm black?"
Poderia ficar aqui a noite inteira a partilhar convosco… mas acho que é suficiente
para perceberem a força que uma música pode ter. E embora fale aqui apenas de
música Soul, este poder é aplicável a qualquer estilo, não tivéssemos nós
Portugueses, um exemplo tão evidente com o nosso hino de libertação “Grândola, Vila Morena”.
A música como uma forma de revolução... uma revolução não-violenta,
onde as armas são a voz de um povo.
Um acordar… um grito de alerta que nos acorda para a
realidade injusta que nos rodeia.
Um ideal… um sentimento comum que nos une a todos.
Cada um escolhe como quer fazer a sua revolução.
Eu deixo-vos paz e sempre, muita música.
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