terça-feira, 7 de julho de 2015

José James @Casa da Música... como o vinho do Porto.



José James é como o vinho do Porto, com o passar do tempo está cada vez melhor. Talvez seja um bocado clichê começar desta forma o texto que descreve a passagem do cantor pela cidade invicta, no passado sábado. Mas na verdade, de clichê este senhor não tem nada, senão a sua antítese. Brindou-nos sim, com um concerto envolvente, sedutor, guloso e maduro, tal como se quer um vinho do Porto, e que eu sorvi até à última gota.

James pisa o palco da Casa da Música, no Porto, não de smoking como era esperado, mas de casaco de cabedal e óculos escuros. Enganam-se aqueles que, tal como eu, pensaram que vinham para um concerto sóbrio de jazz em homenagem à diva Billie Holiday. Não, não. Foi sim um concerto do inigualável José James, num tributo muito próprio, muito seu, à sua querida mãe musical – Billie Holiday.

Antes de mais, apenas fazer uma ressalva ao maravilhoso auditório da Casa da Música, que eu ainda não tinha tido o prazer de conhecer, e cuja acústica é tão nítida e limpa que até irrita! Poderia ouvir-se um alfinete cair, tal como se ouvia perfeitamente a tensão das cordas do contrabaixo de Solomon Dorsey. Um extra, que só torna este vinho ainda mais saboroso.

Mas prossigamos. José James entrou descontraído, e com todo o seu swag dá inicio à sua ode a Billie Holiday. “Good Morning Heartache” foi o primeiro tema da noite, o qual também abre o seu último álbum dedicado ao centenário da cantora – “Yesterday I Had The Blues: The Music of Billie Holiday”. Cedo nos apresenta também a sua banda, composta pelos seus novos músicos Takeshi Ohbayashi no piano/teclas e Ryan Lee na bateria e o seu companheiro de longa data, reverendo Solomon Dorsey no contrabaixo/baixo.
Como gosta José James de realçar e enaltecer a sua banda e como eu adoro que ele o faça! Ao longo dos 4 concertos que já presenciei do cantor, é incansável e louvável o seu esforço em fazer notar a sua banda ao invés de se fazer notar apenas a si. Esse é mais um dos segredos do seu sucesso - a humildade e cumplicidade que mantém em palco com os seus músicos, e que se traduz na qualidade do seu trabalho.

“Body and Soul” é a canção que se segue. Ainda só estamos no segundo tema mas é mais do que suficiente para perceber o brilhantismo e a mestria com que José James pega carinhosa e educadamente nas músicas de Billie Holiday e as converte em suas. É impressionante como a sua música já tem uma marca, um cunho tão pessoal, que ao ouvirmos aquela interpretação poderíamos dizer: “Isto é Bilie Holiday!" ou  "Não, não, isto é José James!”. 
Pois é… é talento, respeito, trabalho e também amor, o que o cantor deposita em cada um destes temas, como forma de agradecimento a uma figura que, como o mesmo diz, o inspirou, ensinou e tanto lhe deu ao longo da sua jornada musical.

Sempre a interagir com o público, James estava calmo e sereno, descontraído como se estivesse em casa e não na Casa da Música. Foi esse o sentimento que nos quis transmitir, bem como o de felicidade e gratidão por poder regressar passados 8 anos de pisar pela primeira vez aquele palco, desta vez a solo, com a sua banda. 

Com “Fine and Mellow” e “Tenderly”, José James prossegue com a sua banda ao ritmo do jazz mas com um groove único que faz o seu corpo balançar e as suas mãos deambular, como se de outros beats se tratassem. Quem visse e não ouvisse, diria que era hip hop e não jazz o que se tocava hoje ali.

Continuamos e chegamos ao momento em que as minhas suspeitas se confirmam! A viola e o baixo que discretamente aguardavam pela sua vez no palco, entraram em cena! James percorre alguns dos temas dos seus anteriores trabalhos, para grande alegria dos inúmeros fãs que lá se encontravam. “Come To My Door”, “Simply Beautiful”, “Trouble” e “Park Bench People” foram interpretados por José James, numa versão de José James. E sabem porque digo isto? Porque é assim que os grandes artistas interpretam os seus temas nos seus concertos: de forma diferente àquela que nos habituaram quando os gravaram em estúdio, com toda uma variedade de arranjos, particularidades e combinações apenas possíveis quando tocados e sentidos ao vivo. É essa a ‘blackmagic’ que José James faz nos seus concertos.

Aproximamo-nos do final mas ainda há tempo para homenagear também a costela soul do cantor – o espírito de Bill Withers é invocado num pequeno medley ao som de “Who Is He (and What Is He To You)”, ”Ain’t No Sunshine” e ”Grandma’s Hands”.

Satisfeitos, com “God Bless The Child” regressamos a Billie Holiday, figura central desta noite a quem o cantor não se cansa de enaltecer, realçando o contributo pioneiro e imprescindível da cantora no mundo da música, em detrimento do lado dramático da sua vida que uma sociedade sexista prefere destacar. 

A quem também não são poupados elogios é à sua banda, cujo esforço para o acompanhar nesta digressão é de valor, na qual praticamente, diariamente, se encontram em viagem. Eu bem os acompanho também nas redes sociais e, efectivamente, é de louvar as horas de sono perdidas, o cansaço e os quilómetros palmilhados e, ainda assim, nos presentearem com uma performance daquelas. Palmas, muitas palmas e uma Casa da Música inteira de pé para agradecer o maravilhoso espectáculo proporcionado naquela noite.



José James regressa sozinho para o desejado encore, deixando-se acompanhar apenas pela sua viola. Fazendo jus à coincidência do dia (4 de Julho, dia da independência nos Estados Unidos, um dos feriados mais importantes e emblemáticos do seu país), é com tristeza e sem patriotismo que o cantor partilha connosco a desolação de não se identificar com o país que o viu nascer, face aos últimos acontecimentos de violência e racismo que o têm assolado. 

Como há 50 anos, a música continua a ser uma forma de expressão livre e as vozes que se fazem ouvir a arma com que lutar. Assim, tal como em 1964 a esperança por um mundo melhor foi entoada por Sam Cooke, pai da música soul, em “A Change Is Gonna Come”, também no passado sábado José James o fez, numa bonita e sentida interpretação, evidenciando (não pelos melhores motivos) a intemporalidade desta canção.



Por fim, se ainda não falei da técnica neste concerto é porque dou por certo que já perceberam que a mesma foi irrepreensível. Seja a solo, seja em grupo, todos e cada um dos instrumentos não desafinaram uma nota, numa coordenação milimétrica. O instrumento, contudo, destacado para o derradeiro final foi a incrível e elástica voz de José James. Camadas e camadas da sua própria voz foram o suficiente para, sozinho, construir com subtileza a música com mais carga emotiva de toda a noite – “Strange Fruit”. O respeito e admiração fizeram-se sentir pelo silêncio rigoroso dos que, fascinados, admiravam a sua arte, apenas quebrado pela ovação de palmas que viria a seguir, em agradecimento ao bonito e caloroso concerto que durante pouco mais de duas horas nos fez sorrir.

Sim, José James é como o vinho do Porto, está cada vez melhor, mais maduro e seguro de si e quem prova só pensa numa coisa: repetir.

Alinhamento:

01. Good Morning Heartache
02. Body and Soul
03. Fine and Mellow
04. Tenderly
05. Come To My Door
06. Simply Beautiful
07. Trouble
08. Bill Withers medley
09. Park Bench People
10. God Bless The Child
11. A Change Is Gonna Come
12. Strange Fruit

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