Muitos me perguntam:
O que foi feito do soul? Ainda se faz esta música actualmente?
Sendo um estilo associado a outro continente e a
décadas passadas, é normal surgirem estas questões. O soul nasceu nos Estados Unidos, no final dos anos 50, vivendo os seus
tempos áureos nas décadas de 60 e 70, acompanhando gerações, revoluções, evoluções. Contudo, os tempos mudam e a música também. A partir dos anos 80 a mística do soul foi gradualmente desvanecendo-se, perdendo força
para outros estilos emergentes como o pop, o disco e
até mesmo o rock. Grandes editoras como a Motown, que formaram o seu império e vingaram graças a esta música, fecharam; outras, como a Atlantic, adaptaram-se. Os cantores esses, pioneiros, bastiões, grandes representantes do soul, também se deixaram ficar pelo caminho... uns faleceram, outros envelheceram e outros, simplesmente, abrandaram o ritmo.
Nos anos 90, parte do soul manteve-se vivo (e ainda se mantém) nos inúmeros beats e samples utilizados por um outro estilo amigo - o hip hop. Muitas vezes os dois caminham de mãos dadas. No final dessa década surge ainda o neo-soul, mais um rebento desta música, adaptado aos tempos e às sonoridades 'modernas'.
Hoje, passados mais de 50 anos desde o seu nascimento, o soul continua a fazer-se ouvir, não fosse esta uma geração de revivalistas, de amantes do 'vintage' e do 'retro'. Graças a estas tendências nostálgicas, saudosas do passado, em que até a forma de ouvir música é recuperada e o vinil ganha um novo fôlego, existem editoras e artistas que lutam por manter viva e fresca a essência do soul, numa roupagem mais suave e renovada.
Charles Bradley é um bom exemplo do soul que se faz actualmente. Passou uma vida de tormentos, viveu na rua e cantou em bares, mantendo sempre acesa a chama do seu amor pela música, até ser descoberto, num bar, numa dessas noites, pela editora Daptone Records, aos 62 anos. Desde então já gravou 2 discos ("No Time For Dreaming" e "Victim of Love"), inspirou um documentário ("Soul of America") e percorreu o mundo e as suas salas de concertos. A sua voz é densa como a de um verdadeiro cantor de soul; a sua música fala de um país, de dificuldades, de luta, de amor e gratidão.
Outra lutadora e que pertence à mesma editora é Sharon Jones & The Dap-Kings. Há quem diga que é a versão feminina de James Brown. Tal como Bradley, esta cantora também iniciou a sua carreira tarde, na meia idade. Lançou o seu primeiro álbum em 2002 mas apenas se tornou realmente conhecida em 2010 com o disco, "I Learned The Hard Way". Depois disso, passou um período conturbado (enfrentou um cancro), regressando este ano com mais vontade do que nunca e um novo trabalho debaixo do braço - "Give The People What They Want". Dia 23 de Novembro estará na Aula Magna, em Lisboa, para apresentá-lo e eu espero poder estar lá para ver, ouvir e sentir novamente a energia frenética e contagiante desta senhora.
Mudamos de editora e chegamos ao mais veterano deste soul renovado - Lee Fields. Nascido em 1951, viveu no apogeu 'James Brown', valendo-lhe o apelido 'Little JB', graças às semelhanças entre as suas vozes. Uma vida passada na sombra desta celebridade até que a editora Truth & Soul Records o redescobriu, dando-lhe uma banda (The Expressions) e uma personalidade enquanto cantor. Em 2010 grava o seu primeiro álbum nesta nova pele ("My World") e, o mais curioso, é eu perceber (enquanto escrevo este post), que em Junho deste ano ele lançou um novo trabalho intitulado "Emma Jean", que eu desconhecia totalmente. (como tal é possível?!).
Continuamos na Truth & Soul Records e uma das suas mais recentes apostas - Lady.
Terri Walker e Nicole Wray dão voz e alma a este projecto revivalista, que procura a fusão perfeita de vozes que se fazia no soul do passado, em grupos como foram Martha and the Vandellas, The Marvelettes ou as míticas Supremes. Vozes quentes e sincopadamente afinadas, traduzem-se em melodias doces que nos falam de romance, tal como antigamente.
Outra voz revelação do soul foi a do jovem Michael Kiwanuka. A mesma, certamente, não compactua com a sua idade uma vez que, por todos foi favoravelmente conotada como 'uma voz velha'... talvez porque nos lembre com melancolia as vozes de então, de outras eras, dos tempos de Otis Redding e Bill Withers. O seu primeiro e único álbum,"Home Again", foi lançado em 2012 e já merecia um sucessor. Esperemos que não nos faça esperar muito mais.
Quem não conhece o tema "I Need A Dollar"? Foi um êxito de vendas em 2010 que nos deu a conhecer o charmoso Aloe Blacc. De origem panamense, este cantor iniciou-se como rapper no hip hop, até a editora Stones Throw Records o associar à sua verdadeira essência - o soul. Este contrato benéfico para todos, trouxe-nos, literalmente, "Good Things" e com ele uma verdadeira lufada de ar fresco no já apelidado 'retro soul'. Este ano Aloe Blacc mudou de editora (Interscope Records), lançando um novo álbum e, diga-se, a diferença fez-se notar, para meu desagrado.
Mas voltemos à virtuosa Stones Throw e a um dos seus artistas mais adoravelmente excêntrico - Mayer Hawthorne! Este skater/DJ (entre outras virtudes) tem um radiante primeiro álbum, com o soul mais delicioso que se faz hoje em dia - "A Strange Arrangement" (2009). A partir daí, outros dois vieram mas com essências diferentes que, a mim, não me fazem tão feliz como o primeiro. Ainda assim, adoro-o porque é brilhante e espero ansiosamente por tudo o que ele me trouxer a seguir.
Por fim, Cody ChesnuTT - o cantor que me arrebatou em dois concertos no mais curto espaço físico e temporal de sempre! Primeiro em Dezembro (2012), na Estação do Rossio, e três meses e alguns metros depois no Ritz Clube. Numa palavra: impressionante - a sua entrega, a sua devoção e o seu amor pela música.
De referir que, a juntar a Cody e com a excepção das Lady, trago comigo a alegria de já os ter visto actuar a todos, ao vivo, a cores e bom som e de poder comprovar que, efectivamente, é com alma e muito groove que todos representam esta música tão querida e sentida actualmente, no presente.
Termino não sem antes mencionar outros nomes como Myron & E, Vintage Trouble, Nicole Willis and The Soul Investigators, Allen Stone e Liam Bailey, entre muitos outros que - espero - andem por aí a espalhar o soul!
Yes, he's alive! :)
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