Do que me
lembro, sempre escrevi… primeiro foram os diários, depois apontamentos em
livros que me foram especiais, algumas folhas soltas aqui e ali… e, por fim, um
blogue.
Costumo
dizer que me expresso melhor por palavras escritas do que faladas… daí a
necessidade de pô-las frequentemente no papel (ou no ecrã) sempre que algo de
bom ou mau me acontece. É algo, acima de tudo, libertador para mim, entre
outras multifunções – serve como uma terapia, um desabafo, um escape e uma
partilha.
Este blogue
fala de música, mas sendo a música uma parte vital do meu ser, torna-o algo
extremamente pessoal para mim. Já o apelidei de “diário musical” da minha vida
e penso, realmente, que seja o termo que melhor o define, pois aquilo que me
apetece ouvir, o que a música me transmite e a forma como eu a sinto, tem uma
ligação directa com o meu estado de espírito e este, por sua vez, com aquilo
que as minhas mãos escrevem.
Hoje,
recém-chegada do estúdio e após uma nova gravação do Groove your Soul, é mais
um desses dias em que me dá para escrever.
Como um bom
exemplo do sexo feminino que sou, adoro pensar! Adoro pensar no que me
aconteceu, no que me está a acontecer e no que poderá vir a acontecer. Gosto ainda mais de reflectir sobre isso sempre
que algo especial, efectivamente, acontece.
Gosto de olhar para trás e analisar o percurso percorrido até chegar ao preciso momento
em que me encontro hoje, e gosto de olhar para a frente e sonhar (com os pés bem
assentes na terra) com aquilo que ainda poderá advir daí.
Se há um
ano alguém me dissesse que o meu amor pela música me levaria a escrever
sobre ela e ter algum reconhecimento por isso, que iria ter o prazer de
conhecer novas pessoas e ter novas experiências que me aproximassem do que mais
gosto de fazer na vida, e que iria perceber o quanto isso me realiza e preenche
enquanto pessoa, eu, certamente, não iria acreditar. E é bom sinal (e curioso
ao mesmo tempo) ver que este sentimento se tem repetido, em diferentes
contextos, ao longo dos anos.
Apercebo-me cada vez mais o quão fundamental é termos na vida pessoas que acreditem em nós e nos empurrem a seguir em frente e a fazerem com que nós próprios acreditemos (o que nem sempre acontece). Sempre que posso e me lembro, sabe-me bem agradecer-lhes por isso.
Mas na verdade, todo este
despoletar de sentimentos é provocado por pequenas coisas e isso também é algo
que me deixa feliz - o conceito de pequenas coisas aliado ao de felicidade.
Pequenos passos para o Homem e grandes para mim, neste caso.
Nunca me considerei uma pessoa optimista e, talvez por isso, nunca esperei que acontecesse tudo o que tem vindo acontecer. Daí ter sido um processo tão natural, espontâneo e, por isso mesmo, saboroso para mim. Às vezes sinto que posso andar um bocado às cegas, e assusto-me, mas não deixo de ir... pois algo de maior está na razão de ser de tudo isto - o meu amor pela música.
Amanhã (quer dizer, hoje) estreia o primeiro programa do Groove your Soul na Rádio Autónoma
e é com o coração cheio de amor, de alegria e de música, que partilho um
bocadinho mais de mim, convosco.
E sabem o que é o melhor de tudo isto? Saber que ainda tenho tanto por ouvir, por aprender e por partilhar.
No passado sábado tive mais um momento especial, a juntar a
tantos outros que este blogue me tem proporcionado.
Rodeada de vinis, bons amigos e muita música, num ambiente
acolhedor e intimista com sabor a vinho tinto a acompanhar, senti-me
confortável o suficiente para não me deixar intimidar pelo nervoso miudinho que
sentia até aquele preciso momento.
Foi bom, mais uma vez, poder “espalhar a mensagem”, dar a
conhecer esta música que tem a sua origem num passado não muito longínquo, mas
que poucos conhecem actualmente.
Mais do que a música em si, foi importante dar a conhecer
também a sua história, o seu papel ao longo dos anos, as vozes que lhe deram
‘alma’, a sua essência e o seu como, quando e porquê.
Foi igualmente bom, para mim, todo o processo até lá, toda
aprendizagem e as pequenas e novas descobertas que fiz pelo caminho. É que
embora muita gente me diga que eu sei muito, eu sinto que não sei quase nada.
Contudo, não é um sentimento que me assuste, antes pelo contrário, é algo que
eu adoro na música – a capacidade de aprender e descobrir coisas novas, sejam
do presente ou do passado, todos os dias.
Uma das vozes mais acarinhadas da noite foi a da minha querida Nina Simone.
Ela,
que eu tanto admiro e que me tem acompanhado tantos dias e tantas noites ao
longo da minha vida.
Ela, que foi fonte de inspiração para toda uma geração,
seja pelo seu talento ou pela sua determinação.
Ela, uma personalidade forte, cheia
de garra e de amor pela música e pelos seus ideais.
Assim sendo, por tudo isto, achei que seria um bom momento
para lhe dedicar um post no Groove your Soul! Esta noite ela e os seus discos estarão comigo mais uma vez.
Querem acompanhar-nos?
Eunice Kathleen
Waymon nasceu em 1933, na Carolina do Norte (E.U.A.). Aos 3 anos já tocava
piano, tornando-se na pequena estrela da igreja local na qual actuava. Devido
ao seu talento obteve fundos da comunidade bem como, dos senhorios da
casa em que a sua mãe era governanta, possibilitando-lhe, assim, ter aulas de
música.
Após acabar o liceu,
e com o objectivo de tornar-se pianista de música clássica, prestou uma audição
na prestigiada escola música, Curtis Institute, na Filadélfia, mas foi recusada
por, segundo soube posteriormente, ser negra. Um dos muitos gestos de
preconceito que viria a enfrentar ao longo da sua vida, contribuindo para
torná-la numa das cantoras mais activistas do seu tempo. Mas já aí vamos. Mais
tarde, nos anos 50, mudou-se para Nova Iorque e ingressou na Juilliard School
of Music. Ao mesmo tempo e por forma a aperfeiçoar a sua performance, actuava em
bares e clubes jazz nos quais lhe era solicitado que também cantasse ao piano. Nestas actuações, embora cantando jazz, blues, gospel e soul,
Nina procurou sempre injectar uma dose de música clássica nos seus temas
pois, segundo ela, dava-lhes mais qualidade.
Nessa altura adoptou
o nome artístico de Nina Simone. Nina de “niña” (pequena em espanhol), como o
seu namorado então lhe chamava, e Simone em homenagem a uma das suas actrizes
favoritas, a francesa Simone Signoret.
Em 1958, inspirada
por Billie Holiday, gravou aquele que viria a ser o seu primeiro sucesso - “I
Loves You, Porgy”, do seu primeiro álbum – “Little Girl Blue”.
No mesmo álbum podemos ainda encontrar os temas “My Baby Just Cares For Me”, “Moon Indigo” e “Love Me
Or Leave Me”.
Para quem ainda não
percebeu, este post vai ser longo.
Sempre tive algum “receio” de escrever sobre
Nina Simone, pois ela, tal como outros gigantes da música para mim, não cabe
num simples post. Dá-me vontade de escrever um livro, com um capítulo generoso
dedicado a cada um. O mesmo acontece com as suas músicas. São muitas as que
merecem ser destacadas, apreciadas, ouvidas com calma. Seria injusto escolher
apenas dez, por exemplo. Vinte, talvez, com boa vontade… Por isso, o meu conselho é - saboreiem
também com calma este post.
As duas canções que acabaram de ouvir pertencem ao primeiro vinil que comprei de Nina Simone, “Nina Simone at
Town All”. O mesmo foi gravado ao vivo em 1959 e, ao juntar-lhe os temas “The
Other Woman”, “Cotton-Eyed Joe” e “You Can Have Him”, torna-se num dos meus
vinis preferidos de sempre e de Nina Simone.
Uns anos mais tarde, aquando da minha ida a Londres para ver
o D’Angelo, viria a encontrar novamente estes dois temas, num vinil que viria
igualmente para a minha lista de favoritos – “Wild Is The Wind” (1966).
Lembro-me perfeitamente de me sentir perdida naquela loja de
Notting Hill, com pelo menos uma certeza de que no meio daqueles discos todos,
eu sairia de lá com um de Nina Simone debaixo do braço. Depois dessa certeza,
veio a indecisão de qual "Nina" regressaria comigo a Portugal. Eis que o vendedor
da loja, bastante simpático e sábio por sinal, aconselhou-me a escolher o da
capa vermelha. Assim foi. Dos 12 vinis que comprei em Londres, esse foi o
primeiro que ouvi mal cheguei a casa. Quando acabei de ouvi-lo tive pena de não
ter ficado com um contacto da loja, só para lhe poder dizer, do fundo do
coração, “Obrigada!”.
Neste álbum conheci novos temas da cantora como “Lilac
Wine” (e é engraçado como qualquer combinação entre a música de Nina Simone e o
vinho, para mim, é perfeita!) e “Four Women”, outra música que me despertou a
curiosidade e me levou a conhecer outra Nina, a Nina guerreira.
“Four Women”, uma música que representa quatro estereótipos
de mulheres negras, vítimas numa época de escravatura. Uma das músicas que
Nina compôs enquanto defensora activa dos direitos civis. A primeira foi “Mississippi Goddam”, em 1964, aquando do assassinato do activista, Medgar
Evers, e do bombardeamento de uma igreja no Alabama que originou a morte de
quatro crianças negras.
Outros temas se seguiram como "I Wish I Knew How It Would Feel to Be Free” (1967) e “To Be
Young, Gifted and Black” (1970), revelando o papel activista da cantora, que
utilizava a sua música e a sua voz como forma de protesto pacífica.
Nina Simone foi das
artistas do seu tempo que mais apoiou o Movimento dos Direitos Civis Americano,
cujo objectivo era atingir a igualdade entre brancos e negros, numa época onde
a discriminação racial e a opressão social eram sentidas, literalmente, à flor da
pele. Nina era igualmente uma defensora afinca do Black Power, movimento que
também surgiu no final dos anos 60 e que visava enfatizar o orgulho racial na
população negra, criando instituições políticas e intelectuais que defendessem
e promovessem os seus interesses. Nina sentia que como figura pública que era, tinha como missão inspirar as
gerações mais jovens, fazendo com que estas tivessem orgulho nas suas raízes e nos seus valores.
A mesma assim
nos explica no vídeo que se segue, that blackness...
São tantos e tão
variados os álbuns que aqui vos poderia falar… Em tempos escrevi num dos meus
posts que, ao ouvir cantar Nina Simone, sentia que o piano tinha sido inventado
apenas para acompanhar a sua voz… Ainda hoje, por vezes, tenho esse sentimento.
Nina, com apenas um piano, pode fazer de nós o que quiser... Esta senhora tanto
nos canta Duke Ellington (“Nina Simone Sings Ellington” 1962), como nos encanta
com Billie Holiday (“Sings Billie Holiday”, 1974), ou nos deixa melancólicos
com o seu blues (“Nina Simone Sings the Blues”, 1967). Deste último também são muitos os temas que nos deixam no escuro, sem vontade de lá
sair. Falo de, por exemplo, “Do I Move You?”, “In The Dark”, “I Want a Little
Sugar in My Bowl”, “Since I Fell for You” ou este “Backlash Blues”.
Decidi mostrar-vos
esta versão ao vivo em 1976, no festival de Montreal, para vos falar de como
Nina era deliciosa em palco. Nina Simone era, de facto, uma diva! O seu talento, aliado à
sua naturalidade e espontaneidade, resultavam num cocktail explosivo. Nina
gostava de falar com o público, contar-lhe histórias, provocar-lhe. Era capaz
de interromper uma música a meio, pelo motivo mais descabido, caso assim o
entendesse.
Deixo-vos agora mais um exemplo da sua impetuosidade e, no final deste post, encontrarão
também disponível o vídeo do concerto completo, bem como, um documentário sobre a vida da cantora, caso vos interesse ver.
Mas são mais, muitos mais os temas que
marcaram a carreira desta cantora... fiquem com alguns:
Don’t Let Me Be Misunderstood (1964)
I Put a Spell on You (1965)
Feelling Good (1965)
Ain’t Got No, I Got Life (1968)
E para fechar, uma
das suas músicas mais grandiosas na minha opinião, “Sinnerman” (1965).
Proveniente das suas origens do gospel e dos encontros metodistas da sua mãe,
esta canção tira-nos o fôlego por dez minutos, com uma bateria frenética desde
o inicio até o final, onde também se junta a guitarra, o contrabaixo e o piano,
proporcionando-nos todo um festival de jazz, que entre o bater de palmas e a
voz pecadora de Nina, culmina na exaustão.
Sejam livres soul lovers e não se esqueçam, you can cage the singer, but not the song.
Gostaria muito de saber o que acharam do evento, o que gostaram mais e menos, se a informação transmitida vos pareceu interessante, algum tema que me tenha escapado... enfim, tudo o que vos apetecer escrever e, o mais importante de tudo, saber se já se converteram definitivamente ao SOUL!!??
Eu, desde já, posso vos garantir que adorei passar a noite convosco!
Muito obrigada pela vossa presença e pelo vosso GROOVE! :)
Pois é, bem sei que o Groove your Soul por aqui anda um
bocado parado, mas no backstage está toda uma agitação com os preparativos
para o evento de dia 7! :)
Aproxima-se a tão esperada noite em que será celebrada
esta música que eu tanto amo – o soul!!
Confesso que à medida que os dias
avançam, os nervos também aumentam… estou ansiosa, assustada e desejosa por
este dia, tudo ao mesmo tempo! Embora, como já vos disse, o falar em público não seja algo que me agrade, acho que neste caso a causa compensa tudo! Vai ser muito bom ter
uma noite dedicada a fazer aquilo que gosto – partilhar música. Como tal, fico
à vossa espera no studioteambox, na LxFactory, no próximo sábado às 22h! Tragam
o vosso Groove, que o Soul ponho eu! ;)